Três Dias -Três Cemitérios – 113 Funerais: A Dura Escalada de Mortes Em Luanda!

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Título: Coque Mukuta

Dados: Daniel Fernandes

Texto: Vasco Teca

Para compreendermos a movimentação das pessoas nos principais cemitérios de Luanda, e que nos pode dar um indicador nacional em relação ao número de funerais realizados diariamente, uma equipa de reportagem do portal de informação generalista, “o protagonista, trabalhou aturadamente em três cemitérios sitos em Luanda, mormente, do Catorze, de Viana e Benfica, este último, o maior do continente africano, segundo dados oficiais avançados pelo Governo de Luanda, aquando da sua inauguração.

No arranque da reportagem investigativa, isto é, no dia 17 de Abril de 2025, pelas 8h40 minutos, a nossa equipa chegou no local escolhido. No essencial, antes de grandes movimentos, encontrou um cenário agitado com zungueiras de comidas e bebidas, bem como, os vendedores de flores, sem esquecer os motoqueiros que, cima a baixo, acrescentavam aquele ruído habitual.

Entre os gritos de quem quer comprar uma garrafa com água, junta-se um outro que procura por um moto-taxista, uma vendedeira de bombó e tudo mais.

  Habituado ou não com a cultura importada, certo é que, por volta das 9h00, acabou de chegar o primeiro automóvel fúnebre, trazendo o “Pai Santo”, segundo apuramos nas fotos estampadas nas camisolas e no humilde carro que transportou os restos do senhor de 54 anos, por sinal, o mais velho de todos os funerais realizados naquele dia e local.

Sobre a “humildade” dos carros fúnebres, importa sublinhar que, como disse uma testemunha, ouvida pela equipa no terreno, a mesma retrata o nível de vida do falecido e daqueles que o rodearam em vida, precisamente, familiares, colegas de trabalho, escola e vizinhos, daí que, no geral, disse, é consensual que quanto mais carros marcarem presença num determinado funeral, mais se depreenderá que o falecido era pessoa de uma vida estável, bem relacionada e, noutro sentido, quanto mais de baixo nível forem os carros, mais se entenderá que o falecido era um “coitado”.

Mas, este detalhe, que parece descontextualizado, só foi chamado aqui para nos situarmos que no Cemitério do 14 e no dia em que fizemos a presente reportagem foram mais a enterrar pessoas com menos posses. Aliás, as zonas que circundam o cemitério são habitadas maioritariamente por este tipo de pessoas. Estamos a falar de Bairros de Cacuaco, Cazenga, Rangel, Sambizanga, Rangel e outras.

Agora, voltemos ao número de funerais e o seu desenredo:

Das 9h005 às 14h57 minutos, momento em que os fiscais fecharam os portões, com o sepultamento do último defunto, horário justificado pelo feriado da páscoa, já que a reportagem foi feita na quinta-feira, 17 de Abril de 2025, tinham sido contabilizados um total de 39 funerais de homens e mulheres, entre crianças, jovens e adultos, cada um com a sua causa de morte, embora, verdade seja dita, dentre estes um bom número morreu vítima de malária, por ser, como é sabido, a principal causa de mortes em Angola.

Mas, foram enterrados mais homens ou mulheres?

Mais crianças ou jovens? Ou, ainda, mais jovens ou adultos?

Vamos aos números:

Entre o choro de um e do outro, bem como os sorrisos de quem não se importa com a dor de outrem, entraram naquele campo santo um total de 25 caixões contendo corpo de sexo masculino. Ou seja, foram registados pela nossa reportagem 25 funerais de homens, dentre os quais, 21 adultos e 4 crianças, estas últimas com idades compreendidas entre 1 a 10 anos, num levantamento muito concreto, em função da natureza da reportagem (investigação).

Noutro prisma e fazendo juiz à tese segundo a qual nascem em Angola mais mulheres do que homens e morrem mais homens do que mulheres, procuramos comparar esta equação. E o resultado é que, de facto, as mulheres morrem menos, porque no mesmo dia foram registados 14 enterros de mulheres, dentre elas, 9 adultas e 5 crianças, um número muito abaixo da soma total dos homens enterrados…

Na sequência, e um dia depois, isto na sexta-feira, 18, com o objectivo de palmear mais um campo santo, a nossa reportagem rumou para o cemitério municipal de Viana, sito na Estrada de Calumbo, uma das mais esburacadas do âmbito nacional, situada dentro das localidades, ligando os municípios de Viana e agora de Calumbo, Província, Icolo e Bengo.

Com mais ou menos acelerações do motociclo que nos transportou, em obediência aos limites de velocidade estabelecidos por lei, chegamos ao movimentado portão daquele cemitério, quando o relógio marcava 8h10 minutos.

Magogueiros (no linguajar angolano são as pessoas que vendem pão com ovo, frango ou chouriço), aqui e acolá, gasoseiros (aqueles que vendem gasosas a retalho), motoqueiros em manobras que fazem arrepiar qualquer um que seja minimamente conhecedor das regras de trânsito e de urbanidade, num cenário que, essencialmente, não difere do cemitério do 14.

Com os olhos fixos no portão chegava o primeiro carro fúnebre, de marca Toyota, modelo Jimbey, cuja matrícula ignora-se por questões de segurança, numa velocidade pouco comum para a ocasião, quando o relógio marcava 9h10 minutos.

Dava-se o início de mais um dia de despedidas, choros, desmaios e lamentações, como sinal de demonstração do amor, afecto e paixão que se tem para com aqueles que, por motivos diversos, partiram para a outra dimensão da vida.

No caso, o cenário era de muitos camionistas. Afinal, o corpo a ser enterrado era do tio João Josias Capelo, camionista de profissão e dono de uma frota de camiões que, dias e noites, trafega as estradas nacionais, levando e trazendo bens diversos para casa de muitos, quer tenham lá estado ou não.

Ali começava a “saga” que só terminou com o último funeral que registamos, quando o ponteiro marcava 15h00 pontualmente, com o aviso prévio dos funcionários do local.

No total, registamos 32 corpos que desceram à sepultura, mormente:

16 homens adultos e 5 crianças, bem como, 8 mulheres adultas e 3 crianças, fazendo acreditar, mais uma vez, que há mais homens a morrer do que mulheres, embora sejamos (nós homens) poucos em Angola, segundo o sexo de 2014.

Dado assente tem que ver com o facto de que, se comparado com o cemitério do 14, houve mais funerais de gente baixa em Viana, a olhar, como narramos, há instantes, pela qualidade dos veículos que participaram dos funerais e, fundamentalmente, o fúnebre (aquele que lava o caixão), embora, noutro abordagem, Viana esteja em vantagem em relação ao número de casos de vandalismos protagonizados à entrada do campo santo.

Na segunda-feira, 21, (depois de dois dias de pausa, em memoria a morte, enterro e ressurreição de Cristo) para não variar, fomos ao maior cemitério de Africa, Benfica e como se diz na gíria ali o cenário é muito diferente. Ordem, disciplina e alguma ética até na forma de chorar. Poucos gritos e mais suspiros, revelando o nível de quem ali foi a enterrar e, também, de quem foi acompanhar o defunto a sua ultima morada.

No Benfica, o primeiro funeral teve lugar às 10h00, cuja urna que continha os restos do senhor Antunes Epalanga, de 47 anos, estava a ser transportada por um Nissan Bord, de fabrico longínquo, numa demonstração de poucas possibilidades para um funeral condigno e para aquele cemitério, embora seja melhor em comparação com muitos do 14!

Até às 14h25 tinham passado por nós, à entrada do cemitério, 42 urnas de tamanho, cor e qualidade diferentes, num clima angustiante e que leva qualquer um a reflexões profundas sobre o sentido da vida e, mais do que isto, a forma como morremos em Luanda que, se não for a um cemitério ou casa mortuária não percebe os altos níveis de mortalidade, como se descreve a seguir:

Dos 42 corpos que deram entrada naquele local de descanso eterno, 23 foram do sexo masculino (homens), dos quais 5 crianças e 19 do sexo feminino (mulheres) dentre estas 7 crianças.

Contas feitas, e para fechar a nossa peça, concluímos que, contabilizados os corpos que deram entrada nos três cemitérios investigados, em apenas três dias, Luanda e parte de Icolo e Bengo, perderam 113 pessoas, quase todas em idade de produzir e ajudar o país a desenvolver-se, já que somente uma pessoa foi a enterrar com a idade supeior a 40 anos e, mesmo assim, abaixo dos 50.

Por outro lado, o número de crianças enterradas em três dias chama atenção de quem espera dos petizes para o futuro da nação, sem olvidar o facto de que morreram mais homens do que mulheres, numa realidade em que há mais mulheres do que homens, o que piora a equação segundo a qual hoje por hoje não é possível um homem ter uma única mulher, sob pena de outras mulheres viverem sem sentir o “sabor” de um homem.

Enfim, esta é a dura escalada de mortes em Luanda, onde em “três dias visitamos três Cemitérios e testemunhamos 113 Funerais.

Quanta gente morta inocente e prematuramente…!

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